quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Revengetion

Viveram juntos por dois anos, até que a incompatibilidade total de gênios fez com que ela o botasse para fora de casa.
Ele só usava preto e certa vez fez uma mandinga com alguns amigos da banda para que a mesma estivesse no top ten da parada black. Após o quê, passaram 10 anos com a mesma demo tape com três músicas e consideraram que o fracasso se tenha dado em função de terem ofertado em sacrifício, ao invés de uma galinha preta, um galo d'angola criado com quirera vitaminada pelo pai do baterista. Ela, por sua vez, adorava samambaias.
Expulso e inconformado, ele usou de todas as armas baixas de que dispunha: emprestou a alguém que tinha o péssimo costume de se apossar dos bens alheios o Monthy Python preferido dela, desgravou suas fitas do Tom Waits e do Yes, quebrou seu cachepô de madeira, suas presilhinhas coloridas e levou embora seus cds de jazz deixando, num requinte de maldade, apenas as caixinhas. Não bastasse tudo isso, ainda deu um sumiço em seu vestido indiano de mangas compridas que tinha custado horrores, mesmo após ela pechinchar muito com a dona da barraquinha.
Mas a merda só agarrou mesmo, de fato, no dia em que ela chegou em casa e descobriu que ele havia levado embora Nicodemos, o gato preto do casal.
Inflou-se de ira, mudou de roupa e saiu, decidida a se vingar.
....
Sábado à tarde, Rua 24 de Maio, Galeria do Rock. Centenas de camisetas pretas circulam pelos corredores escuros e de aparência ensebada em meio a pictures raros, spikes, tênis brancos, tatuagens e calças justas.
A mocinha, pisando duro de determinação, vislumbra ao longe um cabelo étnico penteado para o lado. Dirige-se a ele que, ao vê-la, sopra-lhe na cara uma fétida baforada de Gudam Garam, chamando-a, entre risos cínicos, de "freak do caralho".
Ela odeia cigarros de cravo....
Contorna o andar e fica bem em frente a ele, posicionando-se 5 degraus acima do nível do chão na escada de alvenaria atrapalhando, desta maneira, a movimentação dos transeuntes já que a escada rolante só sobe.
Posicionada, pede ao rapaz que tenta passar por ela com uma bela camiseta do Summoning que dê um assobio bem alto, por favor. Sem entender nada e querendo passar logo, ele põe os dedos da boca e dá um longo assobio, ao que ela, dedo em riste, aponta para a frente, chamando:
- Miojo!
Miojo e seus amigos riem. Morbidus, o mais ignorante e violento deles chega a dar-lhe um tapinha amigável nas costas. Esse Miojo era mesmo um conquistador...
Ela continua:
- Vocês conhecem aquele cara? O nome dele é Miojo.
Dedo ainda em riste, faz um breve silêncio enquanto desce dois degraus lentamente, a fim de criar um certo suspense:
- Vocês conhecem o Miojo? Pois eu COMI o cu do Miojo.
Ao que termina a sua chocante declaração, há uma histeria coletiva na Galeria, centenas de cabeças penduradas nos corrimões vaiam e gritam enlouquecidas.
Sem se intimidar, ela termina de descer e continua:
- E sabem o que é melhor? Ele GOZOU com o dedo no cu!!!
O rapaz no bar ao lado com cabelos de Robert Plant engasga com a cerveja quente e tem uma crise de riso. Morbidus cospe no coturno super lustrado de Miojo e apalpa seu soco inglês no bolso. Um protótipo de Marilyn Manson pensa com suas lentes brancas: "Dedos, ele gosta de dedos. Hum, só nas mãos eu tenho dez...". O segurança franzino olha para um lado e para outro, certificando-se de que não há nenhum skin head por perto, praguejando: "Puta que o pariu, bem no meu turno."
Miojo toma muitas dedadas e tapas na cabeça que terminam por despentear todo o seu cabelo.
Ela, em êxtase dervixe, aponta os dois dedos para cima e começa a rodar carvavalescamente, cantando:
GO-ZOU NO MEU DE-DI-NHO
GO-ZOU NO MEU DE-DI-NHO
Tinha ritmo, a mocinha.